sexta-feira, 23 de março de 2018

UMA CONFISSÃO, DE LIEV TOLSTÓI

Na sua obra O mito de Sísifo – Ensaio sobre o absurdo (1942), Albert Camus, no capítulo intitulado “O absurdo e o suicídio” diz: “Só existe um problema filosófico realmente sério: é o suicídio”. Julgar se uma vida vale ou não vale a pena ser vivida, continua ele, é responder à questão fundamental da filosofia.

É sobre a incansável busca por uma razão que justifique a validade de se estar vivo, que fez com que Liev Tolstói (1828 – 1910) escrevesse um dos seus mais impactantes textos. Falamos aqui de Uma confissão, escrito no ano de 1879, quando Tolstói tinha 51 anos de idade. Ressalte-se que antes desse trabalho, Tolstói já havia escrito, na década de 1860, o romance Guerra e paz e, na década seguinte, Anna Kariênina, duas obras monumentais da literatura universal. Quando escreveu Uma confissão, Tolstói já era um renomado autor, admirado tanto na Rússia quanto fora dela. Talvez por ter alcançado tudo que desejou e por não possuir dificuldades financeiras, vendo sua família crescer rica e saudável, é nesse período que Tolstói passa a ser perseguido e atormentado por recorrentes vontades de se matar. As angústias e os questionamentos acerca da vida e da morte acabaram resultando na narrativa Uma confissão.


A edição da qual tratamos aqui foi publicada pela editora Mundo Cristão, em 2017, com tradução e apresentação de Rubens Figueiredo. O livro é composto de 127 páginas, distribuídas em 16 (dezesseis) capítulos, acrescido de um epílogo de três páginas, que teria sido escrito em 1882. Tendo em vista sua literatura ter sido alçada ao nível mais alto da literatura em curso, foi inevitável que sua obra se tornasse foco dos mais fervorosos debates, independentemente da classe social, debates esses que acabaram por constituir a amplitude qualitativa observada na literatura russa.

As respostas buscadas por Tolstói o obrigaram a se aprofundar nas mais variadas sendas do pensamento filosófico-religioso, o que não era muito bem visto pelas autoridades tsaristas e muito menos pela Igreja Ortodoxa. A empreitada de Tolstói em busca de uma explicação satisfatória para os seus questionamentos o colocou em rota de colisão com a poderosa Igreja Ortodoxa russa, a qual acabou por excomungá-lo, em 1901, mantendo até hoje sua decisão.

No percurso que fez, Tolstói se aproximou dos mais simples e dos mais pobres que nem eram lembrados nas celebrações da Igreja, a não ser para rezarem pela saúde do tsar e de seus familiares. Impedido de ser publicado na revista Pensamento russo, no ano de 1882, Uma confissão foi publicado na Suíça, no ano de 1884. Enquanto isso, no entanto, cópias manuscritas já circulavam pela Rússia. O texto, no entanto, só é publicado oficialmente na Rússia no ano de 1906, sendo que Tolstói morre em 1910.

Figueiredo (2017, p.7) registra que o texto Uma confissão costuma ser visto como o ponto a partir do qual teria se dado a conversão religiosa de Tolstói, o que dividiria sua obra em duas partes. O tradutor é enfático ao afirmar que isso não procede, uma vez que esse viés religioso já pode ser observado tanto nos primeiros contos do autor quanto nas obras Anna Kariênina e Guerra e paz. Em outras palavras, a angústia e as crises das quais tratam Uma confissão, apresentam as mesmas nuances de crises vividas por inúmeros dos seus personagens nas obras mencionadas. O que então diferencia esse relato das obras de ficção do autor russo? Sobre essa questão, convém observar aquilo que afirma Figueiredo, quando diz:

A diferença é que Uma confissão toma forma de um depoimento pessoal, sem a mediação de personagens de ficção. Tolstói relata sua experiência de maneira direta, dia a dia, passo a passo, observando a transformação de seus sentimentos e pensamentos mais íntimos, ao mesmo tempo que examina, com olhar crítico, tudo que se passa à sua volta. A inspiração inicial para esse primado da sinceridade foi a obra do filósofo francês Jean-Jacques Rousseau, que escreveu suas Confissões no século 18. Porém, a técnica de exposição de Tolstói se distingue por não se basear na argumentação pura, mas apoiar-se, acima de tudo, na parábola – ou seja, pequenas histórias que sintetizam algum problema, alguma idéia, algum dilema. (FIGUEIREDO, 2017, p.8).

Obviamente que Tolstói não encontrou respostas para todas suas perguntas. Contudo, também não se matou. Ao contrário, viveu por muitos anos, morrendo apenas em 1910, aos 82 anos de idade. O sentido da vida talvez não consista em se buscar respostas, mas em se fazer perguntas sempre.

 Uma confissão, de Liev Tolstói, é um daqueles textos que nos são de urgente leitura, pois nos arregala os olhos, acende o cérebro e palpita o coração. A excelente tradução de Rubens Figueiredo, por sua vez, nos conduz pela narrativa de uma forma que quase conseguimos sentir as mãos ansiosas do autor russo e ouvir sua voz angustiada, enquanto “ouvimos” sua confissão. Terminada a leitura, já não somos mais os mesmos, nem poderíamos sê-los se mesmo assim o quiséssemos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário