Dalton Trevisan |
Dalton
Trevisan é, sem sombra de dúvida, o melhor contista do Brasil. De forma
exemplar, o autor consegue fazer um belo uso da linguagem e, com mestria, obtém
o equilíbrio entre o lírico e o trágico. Ao utilizar como fonte de trabalho o
cotidiano recriado, Trevisan coloca-se entre os dois grandes pólos do conto
brasileiro: Machado de Assis e Breno Acioli. São, no entanto, o poder poético e
as inovações utilizadas pelo autor curitibano que o colocam como figura de
destaque na literatura brasileira. Os desencontros, os amores desastrados, as
súplicas, as mortes, as frustrações e a rara esperança que configuram a mísera
condição humana são ingredientes de que o autor se utiliza para transformar
João e Maria em cada homem e em cada mulher, assim como Curitiba, universo
recriado do autor, num macrocosmo habitado por todos.
A Curitiba de Dalton Trevisan não está no mapa. Trata-se de uma cidade
inventada que, assim como Macondo, criada por Gabriel Garcia Márquez em seu Cem anos de
solidão (1967) tem as características de uma cidade real, mas que apenas
existe como cenário para as histórias do autor.
Antes de atingir o prestígio de grande contista que conquistou, Trevisan publicara Serenata ao luar (1945) e Sete anos de pastor (1946), obras que o autor renega, e editara a famosa revista Joaquim (1946-1948), a qual se tornou porta-voz de uma geração de escritores e poetas nacionais. Entre os textos que publicava, havia ensaios assinados por Antonio Candido, Otto Maria Carpeaux e Mario de Andrade. Até então inédito, o poema “Caso do vestido”, de Carlos Drummond de Andrade surgiria primeiramente ali. Além disso, a revista ainda trazia traduções originais de autores como Proust, Gide, Joyce e Kafka. Havia também ilustrações de artistas como Heitor dos Prazeres e Di Cavalcanti, entre muitos outros. É com a publicação de Novelas nada exemplares (1959) que o autor surgirá definitivamente na cena literária do país, assumindo a posição de mestre brasileiro na arte do conto.
De toda a obra de Dalton Trevisan, a menina dos meus olhos é O vampiro de Curitiba, de 1994. Contudo, aqui, teceremos algumas notas não sobre as aventuras e desventuras do vampiro Nelsinho, mas sobre outro livro de Dalton Trevisan: O maníaco do olho verde, de 2008.
O maníaco do olho verde é composto de vinte e seis contos. Sem abandonar o estilo que o consagrou, Trevisan usa e abusa da linguagem elíptica que lhe é peculiar ao abordar os dramas mais íntimos do ser humano. Ao contista não interessa os bem nascidos, os belos; mas a escória, os excluídos, os marginalizados, tarados, loucos, drogados e prostituídos. Dessa forma, nos vinte e seis contos da obra em questão, têm-se os viciados em crack, os pedófilos, os traficantes, os agiotas e as putas (ah, as putas!). Ao passar tudo isso em revista, Trevisan traça uma completa análise de uma sociedade que se deteriora a cada novo dia. Uma sociedade que se mantém na base do dinheiro e do sexo, do sexo e do dinheiro. Não há, inferimos a partir dos textos, uma preocupação social com a degradação de valores éticos e morais. Tudo parece possível. Ao narrar acontecimentos fictícios, Trevisan acerta em cheio um soco na boca do estômago do leitor, como se reais fossem. Além dos temas já postos, a violência policial funciona como uma linha que une quase todos os personagens e ações. Convém ressaltar que a mão policial cai com muito mais força nas costas dos mais humildes, dos excluídos.
O último conto do livro é o mesmo que dá título à obra. Ao encerrar com esse conto, o autor de Cemitério de elefantes traça uma conexão desse conto com os vinte e cinco anteriores. E caso o leitor tenha feito julgamentos prévios do maníaco, é ele mesmo, o maníaco, quem vai terminar o texto dizendo: “Podem me condenar, babacas e bundões. O que eu faço? Tudo o que vocês gostariam. Eu sou um de vocês”.
Mais uma vez, Dalton Trevisan acerta o alvo. É a arte imitando a vida ou a vida imitando a arte? Seja como for, nos contos de Dalton Trevisan, a vida nada mais é do que o amor de um machão de terno azul com listinhas por uma fulana viciada, que talvez cobre cinco ou dez paus por um programa. Que coisa!