segunda-feira, 8 de agosto de 2016

GRATIDÃO, DE OLIVER SACKS

Nenhum livro é grande por apenas ser um livro grande, mas por ser um grande livro. Trato aqui, obviamente, de qualidade e não de quantidade. Às vezes se escreve tanto, mas não se diz nada. Outras vezes, um universo é dito em tão poucas palavras. É claro que há a necessidade da dedicação aliada ao talento, que por sua vez precisa estar em consonância com a sensibilidade e com a percepção de tudo aquilo que nos circunda.

No dia a dia, costumamos desejar, cobrar e reclamar de uma pá de coisas. No entanto, raramente, somos impelidos a agradecer. A gratidão tem sido substantivo subutilizado, quando não ignorado, no universo lexical das nossas conversações. Em tempos líquidos, de comportamentos e pré-conceitos cada vez mais sólidos e tacanhos, a leitura de Gratidão (2015), de Oliver Sacks se impõe como uma daquelas leituras que não se podem guardar na cabeceira, em uma mesa ou uma prateleira que seja, por tempos sem fim. O "livrinho" de Sacks é daqueles grandes livros que nos provocakm a partir de cada uma das palavras milimetricamente pensadas para estarem exatamente onde estão, causando o impacto que faz do leitor, não mais o mesmo, mas outro.

O livro de Sacks (1933 - 2015), publicado no Brasil pela Companhia das Letras, com tradução de Laura Teixeira Motta (o título original é Gratitude), é composto de quatro textos que muito se aproximam do ensaio, mas que não o são na sua totalidade, tendo em vista o teor informal que os permeia. Certamente que essa questão de forma não era nem de longe a preocupação de Sacks ao se dedicar a escrever tais textos. Sua intenção, claro, era estabelecer um diálogo com a vida e com o estar-no-mundo. Estar no mundo que ele estava deixando, consumido por uma doença que o impedia de seguir. Isso é notório, quando a epígrafe escolhida para abrir o livro diz: "Agora estou face a face com a morte, mas isso não quer dizer que não quero mais nada com a vida". Os textos são "Mercúrio" (p.13 - 22), "My own life" (p. 23 - 30), "Minha tabela periódica" (p. 31 - 42) e "Shabat" (p. 43 - 60). Além dos quatro textos, a edição em questão também traz um prefácio escrito por Kate Edgar e Bill Hayes (p.9 - 11), assim como notas sobre o autor (p. 61) e algumas fotos ao logo do livro.

Os textos constantes na edição brasileira foram originalmente publicados no jornal The New York Times, como "The Joy of My Old Age" (06/07/13), "My Own Life" (19/02/15), "My Periodic Table" (24/07/15) e "Sabbath" (14/08/15). Os artigos dos quais tratamos aqui constituem os últimos escritos de Oliver Sacks, uma vez que o referido autor faleceu no final do mês de agosto de 2015. Nesses escritos, o autor discorre sobre a vida, a morte, a velhice e a doença de uma maneira pra lá de extraordinária. 

Em sua corrida contra o relógio, Sacks escreve com a determinação de quem já não tem mais nenhum tempo. "Sabbath", seu último texto foi publicado no dia 14 de agosto de 2015. Sacks morre no dia 30. Se há algo que une os últimos  textos de Oliver Sacks é exatamente a gratidão.


Em "My Own Life", ele diz: "Não consigo fingir que não estou com medo. Mas meu sentimento predominante é de gratidão. Amei e fui amado, recebi muito e dei algo em troca, li, viajei, pensei, escrevi. Tive meu intercurso com o mundo, o intercurso especial dos escritores e leitores. Acima de tudo, fui um ser senciente, um animal que pensa, neste belo planeta, e só isso já é um enorme privilégio e uma aventura" (p. 30).

"Sabbath", por sua vez, é tanto revelador quanto redentor. Ao concluir o texto, no auge do falecimento de suas forças, diz:
"E agora fraco, sem fôlego, os músculos antes firmes derretidos pelo câncer, encontro meus pensamentos cada vez mais, não no que se quer dizer com levar uma vida boa, que valha a pena - alcançar a sensação de paz dentro de si mesmo. Encontro meus pensamentos rumando em direção ao Shabat, o dia de descanso, o sétimo dia da semana, e talvez o sétimo dia da nossa vida também, quando podemos sentir que nosso trabalho está feito e, com a consciência em paz, descansar" (p. 58).
Os textos de Oliver Sacks, constituintes de Gratidão, são de caráter universal por abordarem questões que não são apenas do homem Oliver Sacks, mas de todo e qualquer homem em sintonia com o seu tempo, espaço e consciência da finitude da vida. Dessa forma, também se mostram perenes e atemporais pelo conteúdos e provocações que podem causar no leitor, independentemente da época da  qual seja sujeito.

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