Michel Houellebecq é daqueles autores que imprimem ao seu texto o impacto necessário, para tirar o leitor da sua zona de conforto. Considerado um dos autores mais importantes da literatura francesa contemporânea, Houellebecq consegue, como poucos, caminhar pelos gêneros da poesia, do romance e do ensaio; trazendo para o centro do debate literário questionamentos culturais que, para alguns, não deveriam sair da caixinha da mesmice. Vencedor do Prêmio Goncourt, de 2010, Houellebecq já se estabeleceu no panteão da literatura universal por produzir obras como, Partículas elementares (1998), Plataforma (2001), A possibilidade de uma ilha ( 2005 ) e O mapa e o território, de 2010.
Os trabalhos de Houellebecq abordam temáticas como pornografia, aborto, clonagem e religião. Contudo, o leitor precisa ficar atento para não cair na armadilha de achar que são temas superficiais. Na verdade, o autor francês se utiliza de tais temáticas para explorar o que lhe é mais caro na narrativa. Em outras palavras, o que está na base do "iceberg narrativo houellebecquiano" é toda uma discussão acerca da condição humana. E assim sendo, sua narrativa se constrói na base da elipse, do corte e da provocação; seja uma provocação ao homem, enquanto indivíduo, seja uma provocação ao Estado.
Em perfeita sintonia com as questões do seu tempo, Houellebecq abarca, no contexto da sua narrativa, questionamentos que ditam os caminhos do ser humano na contemporaneidade, sem no entanto resvalar para o panfletário ou para a simplória reprodução de notícias jornalísticas requentadas. Esse, entre outros aspectos, é o que faz da prosa do romancista francês uma das mais relevantes da atualidade.
No ano de 2015, Houellebecq lançou o romance Submissão (Soumission), publicado no Brasil pela editora Objetiva, sob o selo Alfaguara e traduzido por Rosa Freire d'Aguiar. O trabalho é constituído de 251 páginas (a página 253 é dedicada aos agradecimentos que o autor faz a Agathe Novak-Lechevalier) e é calcado em uma forma narrativa que o aproxima de obras de caráter satírico e distópico. Houellebecq, no entanto, vai além de Huxley, Orwell, Burgess e Bradbury. Ao seu modo, e isso faz toda a diferença na sua obra, Houellebecq constrói uma narrativa que obriga o leitor a se questionar sobre as mutações que estão se dando na sociedade contemporânea, tanto em seus aspectos mais íntimos e individuais, quanto naqueles de caráter universal.
Organizado em cinco grandes partes, Submissão é narrado em primeira pessoa e tudo que sabemos, enquanto leitores, é o que nos conta François, um professor universitário, narrador do romance. A narrativa é ambientada na França, no ano de 2022. Terminado o segundo turno de acirradas eleições presidenciais, sagra-se vencedor Mohammed Ben Abbes, candidato da Fraternidade Muçulmana, constituindo-se, assim, na França, um regime islâmico, o que acarretará inúmeras mudanças político-sociais naquela sociedade.
O eixo da narrativa de Submissão se constrói a partir das primeiras reflexões acadêmicas de François, quando, como professor que é, discorre sobre os meandros do objeto de pesquisa usado por ele para a elaboração do seu trabalho de Tese, denominado de Joris-Karl Huysmans, ou a saída do túnel, defendida "numa tarde de junho de 2007... na Paris IV-Sorbone" (p.9).
Embora se trate de um texto de ficção, o romance de Houellebecq é permeado por nomes e acontecimentos da vida real. Huysmans (1848 -1907), para ficarmos apenas em um nome, é um dos grandes autores da literatura universal. No Brasil, a Companhia das Letras publicou, no ano de 2011, pelo selo Peguin, À rebours, (Às avessas), de 1884, traduzido por José Paulo Paes. E é a partir da tese de François e do regime político instaurado na França que Michel Houellebecq costura toda a narrativa de Submissão. E embora a palavra "submissão" dê nome ao romance, essa palavra só aparece na narrativa, primeiramente, na página 219.
As questões que permanecem após a conclusão da leitura de Submissão vão no sentido de se perguntar: O que é submissão?, A que tipo de submissão se refere a narrativa? Como lidar com o outro? A nova realidade que se impõe aos franceses do ano de 2022 está apenas no âmbito da ficção ou é uma provocação que o autor nos faz acerca das mudanças que se dão, quando fingimos não vê-las?
Assim sendo, o romance Submissão é eivado de ambiguidades e ironias, que apontam para situações de pesadelos, medos e dúvidas; que estão postos na compleição da condição humana e em seu assombro perante uma civilização que,em crise, tateia as gigantescas paredes do labirinto que construiu para si, buscando o fio de Ariadne que, sabemos, há muito tempo se perdeu.
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